Carta de Cuiabá
1 - Os serviços municipais de saneamento básico do País, reunidos em Cuiabá (MT), de 06 a 10 de maio de 2019, durante o 49º Congresso Nacional de Saneamento da Assemae (Associação Nacional dos Serviços Municipais de Saneamento), debateram os “Novos Desafios para a Gestão do Saneamento”, o tema central do fórum, e subtemas, com a grande meta da universalização do saneamento, a partir da gestão pública de qualidade. As discussões reuniram 1.803 participantes, sobretudo os serviços municipais de saneamento básico, comunidade acadêmica, representantes de órgãos públicos federais, estaduais e municipais, profissionais, gestores e demais atores ligados ao saneamento.
2 - No momento em que a Assemae celebra 35 anos de história e conquistas, a entidade vê com preocupação os rumos que o saneamento básico pode tomar no Brasil. São novos desafios colocados no debate nacional, os quais afetam as políticas públicas de maneira inédita, e se baseiam, principalmente, numa visão mercadológica do setor
3 - Um dos temas com grande repercussão durante os debates foi a Medida Provisória (MP) 868/2018, que altera o marco legal do saneamento no Brasil. A proposta, votada pela Comissão Mista no Congresso Nacional, limita a titularidade dos municípios no setor de saneamento básico, pressionando os gestores locais para a concessão dos sistemas públicos.
4 - A MP 868, agora transformada no Projeto de Lei de Conversão (PLV) nº 8/2019, limita a prerrogativa constitucional dos municípios de definir a política local de saneamento básico, interferindo na autonomia dos mais de cinco mil municípios brasileiros. Os aspectos inconstitucionais da MP são fortes e juridicamente atestados, pois a União não tem competência para definir a titularidade do setor.
5 - É importante ressaltar que os serviços municipais de saneamento atendem 25% dos brasileiros, o que representa mais de 50 milhões de cidadãos, com índices de satisfação que se destacam nacionalmente. Exemplos disso são os associados da Assemae, considerados modelos de gestão de qualidade. Mesmo recebendo a menor fatia de recursos do Pacto Federativo, os municípios seguem investindo em tecnologias, capacitação humana e ampliação dos sistemas de saneamento, colocando o atendimento à população acima de qualquer interesse.
6 - A Assemae, estatutariamente, “luta pela manutenção da titularidade municipal e pela gestão pública dos serviços de saneamento, defendendo o seu caráter essencial”, além de “defender junto aos Governos, Federal, Estaduais e Municipais, que os serviços públicos municipais de saneamento, definidos na Lei Federal Nº 11.445/2007, sejam considerados de fundamental importância para a vida da população brasileira”, e “colaborar e cooperar com os Poderes Legislativos e Executivos Municipais, bem como, com os Governos Federal, Estaduais e Municipais, na adoção de medidas legislativas que concorram para o aperfeiçoamento e fortalecimento dos serviços públicos de saneamento”.
7 - Diante disso, a Assembleia Geral do Congresso se manifesta contra o relatório da Medida Provisória 868 aprovado no último dia 07 de maio, por limitar a titularidade municipal e por apresentar vários vícios de inconstitucionalidade. O texto representa amarras para os serviços públicos de saneamento básico e afeta a autonomia dos municípios. A MP em questão é incompatível com a realidade dos municípios brasileiros, o que a torna inaceitável, pois privilegia as companhias privadas, em detrimento dos serviços públicos.
8 - Como pontos controversos aprovados pela Comissão Mista, podemos destacar que a MP 868 limita a titularidade dos municípios apenas para os casos de interesse local. Além disso, prevê a preponderância dos estados sobre o ente municipal, a partir da criação de blocos de municípios, bem como prioriza a distribuição dos recursos federais apenas para estes blocos. Com esse novo arranjo institucional, os investimentos federais destinados aos serviços municipais de saneamento poderão ficar em segundo plano.
9 - Também não concordamos com a flexibilização estabelecida pela MP, que permite a possibilidade de agências reguladoras atuarem fora dos limites geográficos do Estado em que se localiza. O fato enfraquece as agências estaduais, intermunicipais e municipais já existentes, permitindo uma regulação federal que não enxerga as diferentes realidades socioeconômicas do País.
10 - Outra preocupação da Assemae é a proposta de prevalência dos planos regionais de saneamento básico em relação aos planos municipais, o que limita a participação social na construção da política pública de saneamento e dificulta a fiscalização das metas. Entendemos que o planejamento é um elemento indispensável para os avanços do setor e, por isso, deve ser cada vez mais estimulado nos municípios.
11 - A MP 868 exige, ainda, a prévia indenização nos casos de transferência do prestador dos serviços de saneamento. Como se trata de um sistema público, o município poderia arcar com os custos de transferência no formato de precatórios. Entretanto, esta nova exigência impedirá a retomada de qualquer serviço de saneamento para a gestão pública, ou seja, apenas os prestadores privados terão condições de custear as indenizações previamente.
12 - É importante destacar que a extinção dos contratos de programa, como defende a MP 868, privilegia apenas o setor privado. Além disso, o texto aprovado pela Comissão Mista revoga os Artigos 15 e 16 da Lei 11.445/2007, impedindo a gestão associada para a prestação de serviços de saneamento e de regulação.
13 - A Assemae reitera a continuidade da atuação da entidade em favor do municipalismo autônomo nos rumos do saneamento básico, assim como da gestão pública de qualidade dos serviços de saneamento. A Associação continuará desenvolvendo ações que visam à capacidade técnica e financeira de gestão dos municípios, buscando a garantia da prestação dos serviços, melhoria da gestão e governança, manutenção da estrutura e/ou equipamentos, além da otimização dos recursos disponíveis.
14 - A Assemae levará os anseios dos participantes do 49º Congresso Nacional de Saneamento às instâncias decisórias, pois, garantir a universalização do saneamento é a meta a ser atingida. Os serviços municipais de saneamento, com o apoio necessário, são capazes de realizar aquilo que é a sua missão, que, em linhas gerais, é garantir a saúde por meio do saneamento.
15 - Vamos lutar pela manutenção da titularidade municipal e pela gestão pública dos serviços de saneamento, defendendo o seu caráter essencial.
Cuiabá, 09 de maio de 2019