Um dos principais momentos do 48º Congresso Nacional da Assemae foi o painel que debateu a conjuntura do saneamento básico no Brasil, com destaque para as possíveis mudanças no marco regulatório do setor, cujo impacto pode trazer prejuízos aos serviços públicos do país. O painel ocorreu na quarta-feira, 30 de maio, em Fortaleza (CE), reunindo representantes de entidades que atuam na área, além de gestores do Ministério das Cidades e da Casa Civil da Presidência da República.
Conduzido pelo vice-presidente nacional da Assemae, Rodopiano Marques Evangelista, o debate aconteceu por meio de perguntas e respostas entre os convidados, o que permitiu conhecer a opinião dos especialistas sobre os caminhos para fortalecer o setor de saneamento básico no Brasil.
Participaram do painel os seguintes convidados: Martha Seillier (assessora-chefe da Assessoria Especial da Casa Civil da Presidência da República); Ernani Ciríaco de Miranda (diretor de Planejamento e Regulação da Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental – Ministério das Cidades); Aparecido Hojaij (presidente da Assemae); Álvaro José Menezes da Costa (diretor da Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental - Abes); e Fernando Alfredo Rabello Franco (presidente da Associação Brasileira de Agências de Regulação - ABAR).
Universalização do saneamento
O presidente da Assemae, Aparecido Hojaij, defendeu as experiências exitosas realizadas pelos municípios brasileiros, destacando que o setor espera maior clareza e o amplo debate sobre as mudanças propostas pelo Governo Federal. “Precisamos de uma garantia efetiva de recursos públicos, em que os operadores públicos tenham plenas condições para acessar financiamentos. O Estado tem o papel de manter esses investimentos, tanto em obras quanto no apoio à gestão”, argumentou.
Segundo Martha Seillier, o Brasil é a 9ª maior economia do mundo, mas ocupa o 123º lugar no ranking internacional do saneamento. Ela destacou que dos 11 bilhões investidos em 2014, metade se deu apenas nos estados de São Paulo, Minas Gerais e Paraná. “Para alcançarmos a universalização do saneamento, precisamos envolver os três entes da Federação e o setor privado, pois a tendência é a escassez de recursos”, afirmou.
O palestrante Alfredo Franco destacou a necessidade de avançar na regulação dos serviços de saneamento básico. “Temos 1.500 municípios autônomos que ainda não são regulados. O problema não é só de investimentos, a questão passa também pela prioridade que devemos ter com as políticas de saneamento básico e com a participação da população”, disse.
O representante da Abes, Álvaro Menezes, ressaltou que no saneamento básico não é possível fazer comparações, pois o setor possui características específicas, como as diferentes realidades em cada região. “Temos dificuldade de colocar no nosso planejamento os prognósticos necessários para avançar em cada localidade. Por isso, precisamos de boa gestão, que deve estar associada à cadeia do planejamento”, frisou.
Ernani Miranda lembrou o planejamento como caminho à universalização do saneamento básico. Segundo ele, o Plano Nacional de Saneamento Básico (Plansab) apresenta orientações de caráter geral, mas não traz detalhes que atendam às particularidades locais. “Temos de tirar do discurso e levar para a prática em todos os níveis da Federação, respeitando o cumprimento desse planejamento. Além disso, é necessário ter planos nos estados e municípios condizentes com a realidade e comprometidos com os avanços”, finalizou.
Marco legal
Para Ernani Miranda, a Lei sozinha não é capaz de garantir os avanços do saneamento básico, já que a aplicação daquilo que se prevê na legislação depende dos operadores do sistema, sejam eles públicos ou privados. “O objetivo do Governo é promover os avanços que o país requer, mas sabemos das divergências em relação às alterações no marco legal do saneamento. É preciso vencer as divergências por meio do debate e do consenso”, afirmou.
Martha Seillier destacou como proposta a criação de uma instância reguladora no âmbito do Governo Federal para trazer clareza e estabilidade regulatória ao setor de saneamento básico. “É importante que as regras do jogo estejam claras. A diversidade de agências reguladoras locais pode gerar insegurança aos operadores ou investidores, o que acontece quando um mesmo operador atende municípios que possuem regras diferentes de regulação”. De acordo com a assessora, a Agência Nacional de Águas (ANA) teria o papel de indicar as diretrizes regulatórias para o setor. “São recomendações, sem caráter obrigatório, pois a titularidade é municipal. A proposta de escolher a ANA se dá porque ela é uma autarquia federal independente, que não sofre interferências políticas”, ponderou.
A palestrante também explicou a proposta de criar um comitê interministerial, coordenado pelo Ministério das Cidades, com o objetivo de racionalizar a política de saneamento básico no país. “Hoje, muitos ministérios trabalham o tema, o que dificulta a aplicação dos recursos de forma mais consolidada. A ideia é definir os limites de atuação dos órgãos e instituições federais que possuem competências para fomentar melhorias nos sistemas de saneamento básico, inclusive, quanto ao perfil dos municípios a serem atendidos”, esclareceu.
Aparecido Hojaij destacou que a Assemae não enxerga melhorias na proposta de alteração do marco legal. “O que vemos é a pretensão de privilegiar o setor privado”, disse. Segundo Hojaij, a proposta coloca em risco a titularidade municipal, sobretudo quando permite a criação de um colegiado interfedetativo em regiões metropolitanas e de interesse comum. “A titularidade dos municípios foi uma conquista alcançada com muita luta. Não podemos permitir que esses avanços sejam ignorados para atender apenas o pleito do setor privado”, ponderou.
O presidente da Assemae reforçou que a entidade entende a necessidade de revisar a legislação do setor, desde que sejam mantidos os avanços, a exemplo da obrigatoriedade pelos Planos Municipais de Saneamento Básico. “Temos de encarar o saneamento como uma política pública prioritária. Outra demanda urgente do setor é garantir os três milhões de reais do Orçamento Geral da União para 2019, além de melhorar o acesso dos municípios a recursos de financiamentos”, ressaltou.
Fernando Franco mostrou-se contrário à ideia de regulação em âmbito federal, visto que o Brasil é um país de dimensão continental, que demanda a observação de diferentes realidades. “Não podemos fazer comparativos com países que têm 100 anos de regulação. O Brasil ainda está engatinhando nesse tema. E na ponta, temos serviços de qualidade no país, que trabalham a regulação com excelência”, disse.
O palestrante Álvaro Menezes afirmou que a Abes é contrária ao formato de Medida Provisória para a proposta de alteração no marco legal do saneamento básico. “Não enxergamos no texto a inovação necessária para garantir os avanços. A questão de realizar uma consulta pública no mercado é algo problemático da proposta, pois é claro que o setor privado vai se interessar apenas por lugares lucrativos. Também não vemos a necessidade de transformar a ANA na centralizadora da regulação. Pelo contrário, defendemos a assistência técnica às agências, trabalhando as regionalidades”, acrescentou.
O 48º Congresso Nacional de Saneamento da Assemae ocorreu de 27 a 30 de maio, no Centro de Eventos do Ceará, em Fortaleza (CE). A programação realizou painéis, minicursos, mesas-redondas, apresentações de trabalhos técnicos, exposições de tecnologias e feira de saneamento básico. O evento reuniu mais de 1.500 participantes, com caravanas de diferentes municípios brasileiros.