Lei 14.026/2020 foi analisada por especialistas de diferentes instituições
Cerca de três centenas de inscritos no 50º Congresso Nacional de Saneamento da Assemae (CNSA) acompanharam nesta quarta-feira (11) um debate que reuniu convidados para debater o modelo de regionalização do saneamento básico previsto na Lei 14.026/2020.
A mesa de debatedores foi composta por Esmeraldo Pereira dos Santos, diretor-geral SAAE de Passos (MG); João Marcos de Siqueira, superintendente estadual da Funasa – Rondônia; Juliano Heinen, secretaria do Meio Ambiente e Infraestrutura do Rio Grande do Sul; e Marcos Helano Fernandes Montenegro, coordenador de comunicação do Observatório Nacional dos direitos à Água e ao Saneamento (ONDAS). A mediação ficou por conta de Francisco Lopes, advogado e secretário-executivo da Assemae.
Os debatedores buscaram esclarecer detalhes da Lei, expuseram fragilidades da proposta de regionalização do governo federal e discutiram possibilidades de adesão.
Entre as principais mudanças, a Lei 11.445/2007 condiciona que cada município só terá acesso a recursos federais para saneamento mediante a adesão em unidades regionais, com gestão conjunta a outras prefeituras.
Em consenso, os participantes avaliaram que a legislação não levou em consideração a experiência de quem está envolvido diretamente nos serviços de saneamento básico.
– Não é problema que o governo federal escolha seu modelo. O problema é tentar asfixiar outros modelos. Nós também queremos universalização do saneamento básico, mas através da prestação pública municipal. Esta proposta não é contemplada no modelo proposto. Em um país continental como o nosso, um modelo único tem a dar com os burros na água – avaliou Francisco Lopes.
Por outro lado, João Marcos de Siqueira apontou a necessidade de uma parâmetros legais com uniformidade em território nacional.
– Não concordo em acabar com as companhias públicas; porque, bem ou mal, geriram o saneamento por décadas no Brasil, e precisamos de perpetuidade do serviço. Mas também precisamos abrir para a iniciativa privada para atrair investimentos. E não é possível atrair investimentos sem segurança jurídica.
LEI POSTA
Marcos Helano Fernandes Montenegro considera que a lei é um reflexo do sistema econômico e política do país:
– O momento que os prestadores de serviços de saneamento estão passando é de bullying jurídico. Estamos sob a égide de uma lei que alguns afirmam querer melhorar o saneamento, mas que na verdade foi feita porque estamos em um país capitalista, então tudo tem que virar um negócio e, consequentemente, gerar lucro.
Já Siqueira demonstrou acreditar que a lei foi proposta com o objetivo de universalizar o saneamento básico. Além disso, ressaltou que, apesar de questionar as limitações e dificuldades de adequação a cada realidade, não cabe mais questionar a legislação:
– O intuito do governo federal é universalizar o saneamento básico. O Brasil padece do entendimento das leis. Não cabe mais discutir sobre a lei, mas debater como incentivá-la e cumpri-la. E precisamos garantir a universalização até a data prevista pelo marco regulatório, senão as sanções serão aplicadas a cada município.
Em seguida, Lopes provocou:
– A Lei está posta, mas pode ser mudada.
FRAGILIDADES
Entre as fragilidades da nova legislação, Esmeraldo Pereira dos Santos elencou a falta de incentivo para saneamento rural, o baixo potencial de investimentos de companhias privadas frente à crise, a possível a alta no valor das tarifas de água e esgoto e a marginalização dos municípios pequenos e pobres.
– O modelo de regionalização de Minas Gerais, por exemplo, não beneficia praticamente ninguém. Não ouviu as instituições, apenas a iniciativa privada. Foi criado para a iniciativa privada ter interesse. No entanto, tornou-se um Frankenstein jurídico que sequer foi votado e não deve avançar do modo como está – metaforizou Santos.
Juliano Heine considerou que a regionalização foi o maior erro do marco regulatório do saneamento:
– O repasse de verbas federais para o saneamento não é de grande volume. Então a estratégia do governo federal de condicionar seus recursos apenas a quem aderir à regionalização não é atrativa. Como reunir prefeitos que têm comprometimentos políticos diferentes para a gestão de uma região? Não tenho esperança que haja adesão, porque o modelo federal não é atrativo.
Lopes conclui que uma nova proposta precisa ser construída. Segundo ele, o modelo de regionalização proposto tende a não cumprir a projeção de universalização do saneamento básico brasileiro até 2023.
– Há que se construir uma proposta mais pé no chão, mais realista. Essa proposta só vai funcionar se ouvir mais quem está na ponta do serviço. Se não, daqui a dez anos, vamos precisar prorrogar o prazo – previu o secretário-executivo da Assemae.
Créditos:
Texto: Alexandre Lucchese