Em meio à maior crise de falta d'água das últimas oito décadas, a Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) pode ser investigada pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) por prática anticoncorrencial. Técnicos do conselho analisam, desde o dia 11 de novembro, uma denúncia feita pela prefeitura de Santo André, no ABC paulista. O município alega que a Sabesp cobra um preço muito alto pela água que vende a municípios que possuem serviços próprios de distribuição de água com o objetivo de assumir o mercado doméstico nessas cidades. A companhia nega.
Além de Santo André, a Sabesp tem quatro clientes na região metropolitana de São Paulo: Mauá, Guarulhos, São Caetano do Sul e Mogi das Cruzes. Nesses locais, a companhia retira a água dos mananciais e a vende por um preço fechado para empresas municipais, que fazem a água chegar até as casas. Juntas, essas quatro cidades devem cerca de R$ 6,5 bilhões à empresa estadual. Nos demais municípios da Grande São Paulo, inclusive na capital, é a própria Sabesp quem distribui a água para os moradores, cobrando uma tarifa diretamente dos consumidores.
Especialistas ouvidos pelo GLOBO analisam que o fator econômico não é o único que deve ser levado em consideração neste caso. Segundo eles, a disputa coloca frente a frente uma prefeitura comandada pelo PT e uma companhia do governo do PSDB. Além disso, lembram que, devido ao nível crítico dos reservatórios, a Sabesp diminuiu a quantidade de água vendida a cidades que tem como clientes no ano passado. Em Guarulhos, também administrada pelo PT, a medida fez com que fosse implementado rodízio. Santo André já discute cortes programados no abastecimento para o ano que vem.
Essa é a primeira vez que o Cade vai analisar as práticas de uma companhia estadual de saneamento a partir da queixa de um serviço municipal. Caso o conselho aceite o pedido e dê início a uma investigação, os técnicos têm 180 dias para emitir um parecer sobre a ocorrência ou não de crime à ordem econômica. O resultado dessa apuração pode causar efeitos diretos na arrecadação da Sabesp, que têm capital aberto e já enfrenta problemas financeiros. Durante a crise, a companhia precisou investir mais em obras para evitar o rodízio de água e em medidas como o pagamento de bônus para quem economiza.
A petição levou 1 ano e 3 meses para ser preparada, segundo o Serviço Municipal de Saneamento Ambiental de Santo André (Semasa). A denúncia se baseou no conceito econômico de “margin squeeze“ (estrangulamento de margem), em que uma empresa usa seu poder de monopólio no atacado para derrubar outra companhia que atua no varejo e assumir este serviço. A Sabesp detém o monopólio da extração de água dos mananciais e o utiliza para estrangular as empresas municipais por meio de preços muito altos.
O resultado disso é que os municípios acumulam dívidas tão altas que são obrigados a entregar o serviço à Sabesp, perdendo, assim, uma fonte de arrecadação. Isso aconteceu em três cidades da região metropolitana desde 1999, segundo a denúncia: Osasco, São Bernardo do Campo e Diadema. Santo André, que deve R$ 2,5 bilhões, Mauá (R$ 1,7 billhão) e Guarulhos (R$ 1,3 bilhão) seriam as próximas a ter que negociar condições semelhantes. A prefeitura de Mauá contesta o valor e afirma que sua dívida com a Sabesp está próxima de R$ 400 milhões. Em Santo André, a Sabesp cobra R$ 1,81 por cada 1.000 litros de água tratada, mas a prefeitura afirma que seus estudos mostram que deveria pagar R$ 0,90.
A Sabesp informou que "não detém o monopólio da água tratada no atacado", como acusa o Semasa. A companhia atua em 384 dos 645 municípios paulistas - os demais possuem seus próprios serviços de retirada de água dos mananciais, por meio de outorgas concedidas pelo Departamento de Água e Energia Elétrica (DAEE), também do governo do estado. Segundo a empresa, o Semasa poderia explorar seus próprios mananciais. Atualmente, Santo André só produz 5% de toda a água que consome. A cidade conta com recursos do governo federal para aumentar esse índice para 25% nos próximos anos.
Fonte: O Globo