NA LUTA CONTRA A PRIVATIZAÇÃO DOS SERVIÇOS MUNICIPAIS DE SANEAMENTO: REFLEXÕES E PROCEDIMENTOS PARA A INSTITUIÇÃO DO FUNDO MUNICIPAL DE SANEAMENTO
MARLON DO NASCIMENTO BARBOSA
Advogado e Tecnólogo em Gestão Pública Conselheiro Nacional da Assemae
Sem dúvida alguma, a sustentabilidade dos serviços de saneamento é objetivo de curto, médio e longo prazo a ser alcançado, pois somente com serviços economicamente viáveis é que poderemos alcançar a UNIVERSALIZAÇÃO prevista na Lei Federal n° 11.445/07.
Em CURTO PRAZO, o que se espera é que os serviços possam cobrir adequadamente seus custos de operação, de forma equilibrada.
Em MÉDIO PRAZO, o que se espera é a cobertura de seus custos de operação com o estabelecimento de reservas suficientes para a defesa das finanças dos serviços ante eventos não-gerenciáveis.
Em LONGO PRAZO, o que se espera é a cobertura dos custos de operação, existência de reservas para fazer frente a eventos não-gerenciáveis e capacidade de investimentos em obras e outras melhorias, com vistas à UNIVERSALIZAÇÃO e EFICIÊNCIA.
No cenário ALTAMENTE DESFAVORÁVEL que os serviços municipais estão encontrando hoje no Brasil, parece que o alcance da universalização, com base no auxílio do Governo Federal, está cada vez mais distante.
Nesse momento, cabe a reflexão: estarão os serviços municipais fadados ao fracasso? Ou tudo isso será uma manobra sorrateira para a onda de privatizações que se avizinha?
Na qualidade de membro do CONSELHO DIRETOR DA ASSEMAE, tenho falado incessantemente, em todas as palestras proferidas pelo Brasil, que existem duas diferenças básicas entre a PRESTAÇÃO PÚBLICA e a PRESTAÇÃO PRIVADA dos serviços de saneamento:
1) MOMENTO DOS INVESTIMENTOS;
2) REFLEXOS FINANCEIROS TARIFÁRIOS.
Em relação ao MOMENTO DOS INVESTIMENTOS, muito se diz que o setor público não tem condições de investir em obras, expansão e melhorias. Será mesmo?
De fato, os que argumentam nesse sentido possuem razão se for considerada a deficiência na gestão dos serviços com a manutenção das baixas tarifas que hoje são cobradas pela maioria dos serviços municipais.
É incontestável e notoriamente sabido que os serviços municipais, em comparação às companhias estaduais e prestadores privados, possuem tarifas consideravelmente mais baixas.
Sendo assim, se forem mantidos os atuais patamares tarifários, os investimentos certamente não acontecerão e isso abrirá uma enorme oportunidade para que a onda de privatizações avance ainda mais.
Todavia, é interessante notar que o mesmo gestor que reclama da sua própria falta de capacidade de investimentos e que acena com a privatização é o mesmo que se nega a conceder aumentos tarifários ao seu serviço municipal, seja por questões de gestão, seja por questões pessoais.
Contudo, pergunta-se: e se os serviços municipais tivessem tarifas adequadas derivadas de sérios estudos de gestão, aprovadas pelos entes reguladores, que as colocassem em patamares condizentes com a manutenção dos serviços, reservas contra eventos não-gerenciáveis e investimentos futuros? Certamente o cenário seria outro.
Para os favoráveis à privatização que argumentam que o poder público não possui capacidade de investimento, parece muito simples a assertiva de que, com serviços concedidos, haverá uma varinha de condão que despejará, de imediato, somas vultosas de recursos para INVESTIMENTOS IMEDIATOS.
Tudo isso, porém, não é mágica, pois os investidores privados baseiam-se em estudos comerciais técnicos e confiáveis que só lhes levarão ao investimento se tiverem CERTEZA que terão o retorno respectivo e que, além disso, lucrarão adequadamente com o exercício dessa atividade.
Com efeito, apresente ao privado a possibilidade de assumir os serviços de saneamento de uma grande cidade, em sua área urbana, e de uma pequena cidade com grande área rural pouco habitada.
Em qual das duas haverá a privatização? Creio que essa pergunta nem necessita ser respondida. Pois bem.
Com base nesses argumentos, a primeira diferença relacionada ao MOMENTO DO INVESTIMENTO nos leva a crer no seguinte:
1) para o PRESTADOR PRIVADO, o MOMENTO será a CURTO PRAZO, já que possui recursos disponíveis para serem alocados quase que IMEDIATAMENTE nos serviços; todavia, esses investimentos devem retornar ao prestador, e isso ocorrerá na tarifa, conforme veremos adiante;
2) para o PRESTADOR PÚBLICO, DESDE QUE SUAS TARIFAS SEJAM COLOCADAS EM PATAMARES ADEQUADOS COM VISTAS À SUSTENTABILIDADE COMO TEM DEFENDIDO A ASSEMAE, os investimentos serão feitos em MÉDIO e LONGO PRAZO.
No caso do PRESTADOR PÚBLICO, não haverá necessidade de retorno de investimentos, já que os bens são públicos por natureza e serão incorporados ao patrimônio respectivo, além de não haver o elemento privado da lucratividade.
Desse modo, salvo questões de imperiosa NECESSIDADE derivadas de TERMOS DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA ou de DECISÕES JUDICIAIS, ordenando a realização em curto prazo de investimentos – o que é altamente discutível diante da independência dos poderes e que não tem sido uma realidade presente nos pequenos e médios serviços de saneamento – é perfeitamente possível e defensável a manutenção do PRESTADOR PÚBLICO COM TARIFAS ADEQUADAS.
É justamente aí que entra a segunda diferença: REFLEXOS FINANCEIROS TARIFÁRIOS.
Ora, no caso do PRESTADOR PRIVADO, este irá aportar fluxo de capital nos serviços de saneamento de forma quase que IMEDIATA; entretanto, esse aporte será representado por um incremento na tarifa atualmente vigente – geralmente baixa – que servirá tanto para o retorno dos investimentos como para ganhos de lucratividade para os “donos” do negócio.
Por outro lado, no caso do PRESTADOR PÚBLICO, este poderá, com base em tarifas sustentáveis, “guardar” recursos públicos por meio da destinação de determinado percentual de suas receitas para um fundo específico e protegido, criado por lei municipal, realizando os INVESTIMENTOS em MÉDIO e LONGO PRAZO.
Especificamente quanto ao PRESTADOR PÚBLICO, a tarifa será aumentada para possibilitar a manutenção dos serviços e para constituir essa nova reserva (fundo), sem qualquer acréscimo de “ganhos de lucratividade”.
Em minha concepção, estão fechados os argumentos contra a privatização e em prol do saneamento público. Precisamos apenas observar os seguintes passos:
1) trabalhar incessantemente pela melhoria na gestão pública do saneamento;
2) adotar tarifas sérias e sustentáveis, com base em estudos dos reguladores;
3) criar os fundos municipais de saneamento.
Especificamente quanto à criação dos fundos, os entes reguladores podem estabelecer, por meio de seus atos internos, sugestões para os prestadores– e apenas sugestões - já que o planejamento e indelegável por parte do titular.
Sugere-se que a criação dos fundos seja feita por meio de leis municipais, destinando-se entre 5% (cinco por cento) e 10% (dez por cento) das receitas dos serviços de saneamento, ou até mais, de acordo com cada caso.
E para aqueles oportunistas desagregadores que irão dizer que isso não irá funcionar pois o prefeito irá “pegar” esse dinheiro quando lhe aprouver? O que diremos?
Simples: basta colocar na lei a destinação exclusiva dos recursos do fundo para investimentos APENAS em saneamento, e em DESPESAS DE CAPITAL, tornando ilegal qualquer tipo de desvio nesse sentido – ainda mais considerando que o regulador acompanhará a vida desse fundo – e colocando no mesmo texto legal que a extinção do fundo, que possibilitaria o ingresso desses recursos nas prefeituras, dependeria de PRÉVIA manifestação do regulador, do representante do MINISTÉRIO PÚBLICO local e da POPULAÇÃO, por meio de plebiscito.
Será que o fundo acabaria? Provavelmente não.
Basicamente, penso que o fundo municipal de saneamento poderá promover o aporte de recursos necessários para que os serviços municipais possam contar com esses recursos para investimentos a médio e longo prazo SEM DEPENDER do Governo Federal, salvando-os da onda de privatização, desde que, evidentemente, as tarifas sejam COLOCADAS EM PATAMARES ADEQUADOS TECNICAMENTE COM O AUXÍLIO DOS REGULADORES.
Sem dúvida, em lugar de dar tarifas altas aos privados, por que não as damos aos prestadores públicos?
Vamos pensar a respeito.