Em defesa do protagonismo municipal
É fundamental destacar o protagonismo dos municípios brasileiros em sua ação local e cotidiana de salvaguardar o planeta numa conjuntura que aponta para o aumento de pressão dos grupos de interesses, que buscam transferir para a sociedade o encargo de reparar os danos provenientes de um modelo econômico que privilegia a concentração de renda e a exclusão social. O saneamento tem sido um instrumento fundamental para dar consequência às políticas de sustentabilidade ambiental.
A vida nos municípios brasileiros tem sido uma luta constante, num passado recente enfrentando o Regime Ditatorial que centralizou poder nas companhias estaduais e fez de tudo para tirar dos municípios a autonomia de fazer saneamento e cuidar do seu destino. As cidades ficaram por décadas sem ter acesso a nenhum recurso federal. Muitos municípios enfrentaram o peso desta exclusão e decidiram manter sob sua gestão os serviços. Uns mais ricos, outros mais pobres, todos avançaram fazendo saneamento somente com o dinheiro das tarifas.
Com os ventos da democracia inicia-se a luta pela definição de um conjunto de diretrizes e regras capazes de alavancar o saneamento no país. A edição da Lei 11.445/2007, que estabelece as diretrizes nacionais para o saneamento, e da Lei 12.305/2010, que institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos, são uma vitória das teses municipalistas por trazerem em seu bojo a perspectiva da superação do quadro de déficit no atendimento sanitário causado pela ausência continuada da presença da União, quanto à regulamentação e financiamento do setor. Como fruto desse processo, as novas Leis do Saneamento Básico são sim parte da luta pelo direito à cidade, por meio da qual o saneamento integra-se às políticas públicas de habitação, desenvolvimento e meio ambiente.
Os municípios estão avançando para uma nova relação interfederativa, que estabelece a solidariedade entre os entes federados para vencer o gigantesco desafio de universalizar o saneamento e tornar este serviço, de fato, cidadão e integrado com as demais políticas urbanas. Os caminhos são as políticas de cooperação, com autonomia, mas sem isolamento. A alternativa é a busca de soluções comuns, onde compartilhar signifique estabelecer relações negociadas, sem hierarquia entre municípios e os demais entes da federação, sejam eles estados ou a União. O desafio é implementar a ação política baseada na unidade com base na diversidade, de forma criativa, participativa e democrática.
Os últimos acontecimentos do país, com a deposição de uma presidenta legitimamente eleita, com o discurso da necessidade de ajuste estrutural a qualquer custo e a apologia ao estado mínimo, nos autorizam a pensar que tempos difíceis se avizinham para o saneamento público, com a escassez de recursos e a volta do modelo privatista. O cenário mais provável para os próximos anos é o do distanciamento cada vez maior das metas de universalização. Os municípios, através de suas entidades, precisam mais uma vez estar atentos para defender o saneamento público e garantir os avanços conquistados.
Por Arnaldo Luiz Dutra – Engenheiro do Departamento Municipal de Limpeza Urbana de Porto Alegre e ex-presidente da Assemae
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