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17 de Novembro, 2016

Série de artigos: o direito humano ao saneamento

Confira artigo do professor Léo Heller sobre os desafios para o acesso ao saneamento enquanto direito humano

A Assemae inicia nesta quinta-feira, 17/11, a publicação de uma série de artigos de opinião assinados por especialistas do saneamento básico, com o objetivo de defender o modelo de gestão pública do setor, a partir do protagonismo dos municípios brasileiros. No primeiro artigo da série, o professor e relator especial das Nações Unidas sobre água e saneamento, Léo Heller, debate os desafios para garantir o acesso aos serviços de saneamento como direito humano. Leia abaixo:

 

O direito humano ao saneamento básico e os novos desafios

Em 2010, a Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas e o Conselho de Direitos Humanos reconheceram o acesso à água e ao esgotamento sanitário como um direito humano fundamental. Tal reconhecimento contou com a aprovação da ampla maioria dos países membros da ONU, tendo tido o Brasil papel destacado nas negociações para a aprovação da resolução na Assembleia Geral. 

O significado desses direitos tem sido progressivamente interpretado e compreendido. O direito humano à água tem sido considerado como compreendendo a água física e financeiramente acessível, segura, aceitável e continuamente disponível para o uso pessoal e doméstico. Quanto ao direito humano ao esgotamento sanitário, entende-se que este serviço deva ser física e financeiramente acessível, prover segurança ao usuário, ser culturalmente aceitável e disponível para todos os usuários e em todas as esferas da vida, além de assegurar dignidade e privacidade. Enxergar o acesso à água e ao esgotamento sanitário sob a lente dos direitos humanos supõe também observar seus princípios fundantes, como o direito à participação, o direito ao acesso à informação, a igualdade e não-discriminação, a responsabilidade por parte de governos e prestadores de serviço e a sustentabilidade.

Portanto, prestar serviços de saneamento orientados pelo marco dos direitos humanos implica certas mudanças de postura por parte de governos, reguladores e prestadores. Alguns de seus elementos chamam a atenção, quando se observa a prática tradicional prevalente no país. 

Um exemplo é o da acessibilidade financeira, que convoca reguladores e prestadores a dedicar atenção específica para as populações que vivem em situação mais vulnerável, especialmente sob o ponto de vista econômico. Implementar este princípio requer um esforço de identificação das parcelas da população com menor poder aquisitivo e conceber modelos de cobrança que as protejam contra o comprometimento excessivo de seus rendimentos. A adoção de procedimentos nessa direção é importante inclusive para a proteção do prestador, uma vez que o marco dos direitos humanos considera que o corte da ligação de uma moradia ao sistema público, por ausência de pagamento motivada por indisponibilidade financeira, é uma violação a esse direito. O Judiciário vem crescentemente apoiando a tese. A aplicação desse princípio remete ainda para a indagação sobre os modelos de prestação de serviços. Prestadores orientados pela maximização do lucro e sujeitos a uma regulação frágil teriam interesse em praticar o princípio da acessibilidade financeira? Seriam os sistemas com características mais locais, a exemplo daqueles com gestão municipal, mais capazes de identificar as necessidades econômicas das famílias e mais sensíveis para implementar modelos de cobrança que efetivamente as protejam sob esse aspecto?

Outro princípio que mereceria ser explorado é o da igualdade e não-discriminação. O Plansab revelou o caráter fortemente discriminatório do acesso aos serviços de água e esgotos no Brasil. Nitidamente, os que têm menos acesso a serviços adequados são as populações rurais, os habitantes das menores cidades, moradores do Norte e do Nordeste, os de mais baixa escolaridade, os de mais baixa renda... Pode-se complementar esta relação, dizendo que também são menos beneficiados os indígenas, os que vivem em quilombolas, os que moram em assentamentos rurais e os moradores de vilas e favelas. 

Há forte apelo internacional para romper com este padrão de discriminação, não apenas a partir do marco dos direitos humanos, mas também dos novos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável. Estes têm como palavra de ordem “não deixar ninguém para trás” e como objetivos centrais a eliminação da pobreza e a redução das desigualdades. Especificamente nas metas relacionadas ao saneamento, o acesso universal sem discriminação e o olhar atento às necessidades das mulheres e meninas e daqueles em situação de vulnerabilidade são destaques. Tem-se aí uma nova agenda, um novo marco referencial, que requererá nova postura da parte dos agentes institucionais envolvidos com o saneamento no Brasil. A mensagem é de beneficiar primeiro os grupos mais desfavorecidos, rompendo com a tradicional tendência concentradora que vem marcando as políticas públicas de saneamento no país. É uma discussão que também tem forte aderência com os modelos de gestão a serem incentivados nessa nova quadra, de implementação do Plansab, de respeito aos direitos humanos e de progresso em direção aos ODS.

Por: Léo Heller - Pesquisador da Fiocruz-Minas, professor colaborador da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e relator especial para o direito humano à água e esgotamento sanitário das Nações Unidas.

 

 

 

Última modificação em Quarta, 23 Novembro 2016 09:46
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