19 de Janeiro, 2017

Série de artigos: reação ao saneamento como negócio

Leia artigo do professor Luiz Roberto Santos Moraes sobre a resistência à transformação do saneamento como ambiente de negócios.

 

A Assemae apresenta o sétimo artigo da série de textos em defesa da gestão pública no setor de saneamento. No artigo, o professor da Universidade Federal da Bahia (UFBA), Luiz Roberto Santos Moraes, propõe a resistência à transformação do saneamento básico como ambiente de negócios. Confira: 

 

REAÇÃO E RESISTÊNCIA AO SANEAMENTO BÁSICO COMO AMBIENTE DE NEGÓCIOS

As medidas tomadas pelo governo Temer são contrárias ao interesse da grande maioria da sociedade brasileira, pois são medidas privatistas, de interesse apenas do capital, principalmente dos rentistas. No que diz respeito ao saneamento básico, o governo Temer entende os serviços públicos de saneamento básico (abastecimento de água, esgotamento sanitário, drenagem e manejo de águas pluviais, e limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos) como mercadorias, a água é considerada uma commodity, enquanto entendemos o saneamento básico como serviços essenciais à vida, à melhoria da salubridade ambiental e à promoção da saúde, sendo um direito social, um direito de cidadania que precisa ser efetivado. O documento "Diagnóstico Saneamento" da Casa Civil da Presidência da República-CC-PR, de 14/09/2016, expressa a visão do governo Temer, sendo insuficiente, frágil, equivocado e muito mal elaborado, considera dados do Instituto Trata Brasil (OSCIP que conta com fornecedores de materiais e equipamentos e de empreiteiras e operadores privados da área de saneamento básico como associados) e não do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS, Ministério das Cidades) e indica 13 propostas de cunho privatista, atendendo ao que estabelece a recém promulgada Lei no 13.334, de 13/09/2016, que cria o Programa de Parcerias de Investimentos-PPI, cujo objetivo é a privatização de tudo no Brasil, com destaque para o seu art. 17, que libera todo tipo de regulamentação e atropela os entes federados, estados, Distrito Federal e municípios (BRASIL, 2016a). Tal documento da CC-PR trata o Plano Nacional de Saneamento Básico-Plansab, principal instrumento de planejamento da área de saneamento básico do País (vigência: 2014-2033, com investimentos previstos visando à universalização dos serviços de R$ 508,45 bilhões), de forma desrespeitosa como "plano panfleto" (BRASIL, 2016b, s.p.), tendo sido o Plansab elaborado com a participação da sociedade e apreciado e aprovado pelos Conselhos Nacionais de Saúde, Meio Ambiente, Recursos Hídricos e das Cidades, instâncias de controle social formadas por representantes da sociedade civil e do Poder Público. 

Na luta contra a tentativa do governo Temer e de seus poucos mas poderosos apoiadores, em considerar a área de saneamento básico como “ambiente de negócios”, reação e resistência são as palavras de ordem das organizações da sociedade civil (movimentos e entidades populares, sociais, sindicais e ambientalistas) e da população em geral contrários à privatização dos serviços públicos de saneamento básico. O Brasil apresenta um deficit de 42,4% da população sem atendimento ou com atendimento precário de abastecimento de água, 51,2% de esgotamento sanitário e 44,3% de manejo de resíduos sólidos (dados do Plansab; BRASIL, 2015), necessitando da presença e atuação do Estado para a universalização desses serviços, como aconteceu nos países ditos desenvolvidos e como tem acontecido em países ditos em desenvolvimento, inclusive estudo de janeiro de 2015 da Internacional de Serviços Públicos/Unidade de Pesquisa-PSIRU/Universidade de Greenwich, Instituto Transnacional-TNI e Observatório Multinacionais mostra tendência global de reestatização com 180 casos (136 em países de alta renda e 44 em países de baixa e média renda), nos últimos 15 anos (2000-2014), de remunicipalização dos serviços públicos de abastecimento de água e de esgotamento sanitário que haviam sido privatizados em 35 países, devido às falsas promessas dos operadores privados, não atingindo as metas dos contratos, incapacidade dos mesmos de dar prioridade de atendimento às populações em detrimento do lucro, adotando política de exclusão de populações sem ou com baixa capacidade de pagamento das tarifas e impondo aos usuários tarifas mais elevadas, além da falta de transparência e dificuldade de monitorização de suas atividades pelo Poder Público (LOBINA; KISHIMOTO; PETITJEAN, 2015). É importante também lembrar que 2016 foi o ano da Campanha da Fraternidade Ecumênica-CFE 2016 (organizada pelas igrejas cristãs) cujo tema foi o saneamento básico, e que teve como objetivo geral "assegurar o direito ao saneamento básico para todas as pessoas" e como um de seus objetivos específicos "denunciar a privatização dos serviços de saneamento básico, pois eles devem ser política pública como obrigação do Estado" (CONIC, 2015, p.11-12). Assim, o governo Temer está indo na contramão da história contemporânea e vai encontrar muita reação e resistência pela frente caso insista na privatização dos serviços públicos de saneamento básico.

O deficit acima apresentado mostra o quanto estamos longe da universalização dos serviços públicos de saneamento básico no Brasil, mas que necessitamos fortalecer as insituições e prestadores públicos, bem como priorizar os investimentos com recursos públicos, mesmo em períodos de recessão econômica, pois são de grande impacto na saúde da população, como, por exemplo, a tríplice epidemia de Zika vírus, febre Chikungunya e dengue, com a proliferação dos mosquitos Aedes aegypti e Culex em ambientes com ausência ou deficiência de ações e serviços públicos de saneamento básico (MORAES, 2016; BRASIL DE FATO, 2016). É uma temeridade o corte ou congelamento de recursos por 20 anos para as áreas de saúde, educação, assistência social, saneamento básico, dentre outras, como aquele estabelecido pela EC 95/2016 (BRASIL, 2016c), enquanto nenhuma decisão política e providência séria é tomada em relação ao pagamento de juros e amortização da dívida pública interna e externa do País, que faz congelar e reduzir os recursos financeiros para as políticas públicas e sociais e que exige uma auditoria pública, uma urgente auditoria cidadã. A qualificação do gasto público é um outro aspecto de tamanha importância na área de saneamento básico, ou seja, os recursos financeiros existentes devem ser bem aplicados e fiscalizados, em ações e serviços devidamente planejados, regulados e fiscalizados, com projetos bem elaborados e executados, e submetidos ao controle social. Aí sim, o saneamento básico no Brasil poderá avançar!

REFERÊNCIAS

BRASIL. Lei no 13.334, de 13 de setembro de 2016a. Cria o Programa de Parcerias de Investimentos-PPI, e altera a Lei no 10.683, de 28 de maio de 2003, e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2016/lei/L13334.htm. Acesso em: 05 jan. 2017.
BRASIL. Diagnóstico Saneamento. Brasília: Casa Civil da Presidência da República, 2016b. Não publicado.
BRASIL. Emenda Constitucional no 95, de 15 de dezembro de 2016c. Altera o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, para instituir o Novo Regime Fiscal, e dá outras priovidências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/ Emendas/Emc/emc95.htm#art1. Acesso em: 05 jan. 2017.
BRASIL. Plano Nacional de Saneamento Básico. Relatório de Avaliação Anual - Ano 2014. Brasília: MCidades/SNSA, 2015. Disponível em: http://www.cidades.gov.br/images/stories/ArquivosSNSA/PlanSaB/ relatorio_anual_avaliacao_plansab_2014_15122015.pdf. Acesso em: 05 jan. 2017.
BRASIL DE FATO. Entrevista com a pesquisadora Dra. Constância Ayres do CPqAM/Fiocruz-PE: “É preciso eliminar os criadouros através do saneamento básico”, por Alan Tygel, em 07/10/2016. Disponível em: https://www.brasildefato.com.br/2016/10/07/e-preciso-eliminar-os-criadouros-atraves-do-saneamento-basico-afirma-constancia/. Acesso em: 05 jan. 2017.
CONIC. Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil. Campanha da Fraternidade Ecumênica 2016: Texto-Base. Brasília: Edições CNBB, 2015.
LOBINA, Emanuele; KISHIMOTO, Satoko; PETITJEAN, Olivier. Veio para ficar: a remunicipalização da água como uma tendência global. Lisboa: PSIRU; University of Greenwich; Multinationals Observatory; TNI; STAL; Água de Todos, 2015.
MORAES, Luiz Roberto Santos. Microcefalia, Zika vírus, Aedes aegypti e Saneamento Básico. Gota D´Agua, Salvador, 16 fev. 2016. Disponível em: http://www.sindae-ba.org.br/ gotadaguaNoticias2.php?i=3341. Acesso em: 05 jan. 2017.

Por: Luiz Roberto Santos Moraes, PhD - Professor Titular em Saneamento e Participante Especial da Universidade Federal da Bahia (UFBA).

Foto: Internet

Última modificação em Quinta, 19 Janeiro 2017 11:21
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