Encerrando o primeiro ciclo de artigos em defesa da gestão pública do saneamento básico, a Assemae disponibiliza essa semana o artigo do deputado federal João Paulo Papa, que aborda o panorama do saneamento básico no Brasil e apresenta alternativas para o avanço do setor. Confira abaixo:
Se já sabemos quais são os desafios do saneamento básico, por que não damos o próximo passo?
Trabalho com saneamento básico há muito tempo e tive a oportunidade de vivenciar muitos lados dessa questão que julgo determinante para o Brasil que queremos e precisamos ter.
Cuidei da regional da Sabesp na Baixada Santista (SP) no início dos anos 1990. Região de mananciais e áreas de preservação permanente; de praias; de população flutuante; de áreas não regularizadas; de municípios unidos sob a égide de uma Região Metropolitana. Diria que muitos dos desafios do saneamento ali se concentram.
Fui prefeito de Santos. Na cidade marcada pela obra do patrono da engenharia sanitária brasileira – os canais de Saturnino de Brito –, o saneamento é complexo e sua gestão envolve tanto a existência de um avançado emissário submarino quanto tristes paisagens de palafitas.
Também trabalhei como diretor de Tecnologia, Empreendimentos e Meio Ambiente da Sabesp. Na companhia convivem desafios como a prestação do serviço na Região Metropolitana de São Paulo, um dos maiores conglomerados populacionais do mundo, e no município de Borá, com pouco mais de 800 habitantes, a segunda menor cidade do Brasil.
Agora na Câmara dos Deputados, continuo a jornada em defesa do saneamento. A vantagem do parlamento é que aqui conseguimos ter uma visão do setor em sua completude. Todos os interesses se encontram nesta Casa, onde impera a diversidade de opiniões e, consequentemente, o debate e a busca de consensos.
A unir estes interesses, uma verdade constrangedora para todos nós que lidamos com o tema – todos conhecemos há muito o diagnóstico do saneamento e sabemos quais são os desafios que o Brasil precisa enfrentar para universalizar o acesso à água, à coleta e ao tratamento de esgotos.
Aqui mesmo, na Câmara, trabalhamos durante dois anos, 2015-2016, com as entidades do setor para construir uma agenda comum, que chamamos de 20 recomendações para a universalização do saneamento básico no Brasil. A ASSEMAE – Associação Nacional dos Serviços Municipais de Saneamento, foi, do início ao fim deste trabalho, parceira fundamental da Subcomissão especial criada para este objetivo.
O que sabemos é que há desafios para todos.
O Executivo Federal precisa resolver a fragmentação institucional do saneamento, distribuído em sete ministérios. As cidades precisam se aprimorar técnica e administrativamente e elaborar seus planos de saneamento - dois terços dos municípios ainda não têm plano. Os índices de perdas em alguns estados chegam a inacreditáveis 70%, precisam ser reduzidos. Os investimentos precisam ser ampliados. A lei, que é boa mas pode sempre ser melhor, precisa ser obedecida. A regulação precisa ser fortalecida. Indicadores precisam indicar a realidade. Revisões são necessárias na carga tributária e nas tarifas praticadas pelos prestadores dos serviços. A sociedade precisa entender mais de saneamento, para participar mais do saneamento.
Se conhecemos os desafios, por que não damos o próximo passo?
Entendo que ainda falta unidade no setor de saneamento. Também falta promover o saneamento a tema central da agenda de desenvolvimento do País. Sem unidade e sem centralidade dificilmente passaremos do diagnóstico à solução dos problemas. E o saneamento continuará sendo, dentre as políticas sociais, a mais incompreendida e a menos prestigiada.
A boa notícia é que conferir unidade e centralidade ao setor é possível. Na Câmara dos Deputados, provoco e acompanho a discussão e o entendimento entre os segmentos que representam o saneamento básico. No governo federal, há iniciativa para reunir estes segmentos e, mais, para unir os órgãos que cuidam de saneamento.
Mesmo com imperfeições, este processo está avançando e abrindo o caminho para uma situação melhor para o saneamento no Brasil, que defino como a combinação de vários modelos de prestação dos serviços de água e esgoto, baseados no conceito de que o acesso à água limpa é um direito de todos. A dimensão, a diversidade e a desigualdade que marcam as cidades e as regiões brasileiras impedem a adoção de um modelo único para os serviços de saneamento básico e exigem um olhar democrático sobre a água.
Há localidades rurais onde a solução está, por exemplo, em uma fossa séptica biodigestora. Em muitas cidades, são os serviços municipais, isoladamente ou consorciados, que garantem o saneamento de 25% da população brasileira. As companhias estaduais continuam à frente do desafio de atender 70% da população. E as empresas privadas também participam do esforço, seja por meio de concessões plenas, parciais ou parcerias público-privada. E, na senda das parcerias, também existe a modalidade das parcerias público-públicas.
Neste cenário, com cada modelo buscando a excelência dentro de si mesmo, e não em relação a outro modelo, o País pode alcançar com mais celeridade a universalização do saneamento. É o que eu chamo de unidade. Cada qual à sua maneira, porém unidos pelo objetivo único de levar os serviços de abastecimento de água e de coleta e tratamento de esgotos para todos.
Sobre a centralidade do saneamento na agenda do País, entendo que esta, por mais que seja uma tarefa coletiva, está principalmente nas mãos do governo federal. Defendo a urgência da transformação do diagnóstico dos problemas em soluções. Um bom caminho seria a edição de uma Medida Provisória capaz de reunir, em um único pacote de alterações na legislação, todas as questões que travam o setor. As entidades estão preparadas para essa discussão. O Congresso Nacional também. Fizemos nosso trabalho durante os dois últimos anos e agora precisamos da agilidade que o instituto da Medida Provisória pode nos oferecer – em 180 dias podemos colocar a casa em ordem.
Para consolidar tanto a unidade quanto a centralidade do saneamento na agenda do País, também defendo que o direito à água passe a integrar o rol dos direitos sociais no artigo 6º. da Constituição Federal. Muito parlamentares pensam da mesma forma. Neste ano vamos trabalhar para criar uma Comissão Especial para analisar o tema e levar a proposta ao Plenário.
Temos a direção e temos pressa. Vamos dar o próximo passo?
Por: João Paulo Papa - Engenheiro e professor. Deputado Federal (PSDB/SP), presidente da Subcomissão Permanente de Saneamento Ambiental. Foi prefeito de Santos por duas gestões (2005-2012).