Argentina, Bolívia, Canadá, Chile, Costa Rica, Espanha, Estados Unidos, Holanda, Itália, Palestina, Paraguai, Peru e Uruguai. Estes treze países, somados ao Brasil, estiveram representados no lançamento internacional do FAMA 2018 - Fórum Alternativo Mundial da Água, realizado nesta segunda-feira (25/9), na Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo, na capital paulista.
O lançamento foi o marco da constituição de uma Coordenação Internacional do FAMA, que assume o compromisso de trabalhar, ao lado da Coordenação Nacional, pela construção do Fórum Alternativo em todos os continentes, nas diversas ações de articulação, divulgação, construção de temário e captação de recursos. O FAMA será realizado em março do próximo ano, em Brasília.
"O FAMA é o único espaço de articulação no mundo em oposição ao 'Fórum das Corporações', autodenominado Fórum Mundial da Água, que também será realizado em março, em Brasília", explicou o membro da Coordenação Nacional do FAMA, Edson Aparecido da Silva, ao abrir o evento.
Ato de lançamento reafirmou a prioridade ao direito à água
Na mesa de abertura, estavam presentes Leo Heller, relator especial da Organização das Nações Unidas (ONU) em Direito Humano à Água e Saneamento, e Rodrigo de Freitas Espinoza, professor da Universidade Federal de São Carlos e autor de tese de doutorado que aborda a construção discursiva do Conselho Mundial da Água, que atua integrado ao 'Fórum das Corporações", autodenominado Fórum Mundial da Água.
Para o relator da ONU, “quando a água é tratada como mercadoria, pessoas que não têm capacidade de pagar ficam excluídas e são deixados de lado direitos fundamentais das populações”. Referindo-se ao 'Fórum das Corporações', disse que não "é admissível que um fórum, com essa envergadura, ignore esse princípio".
Heller ressaltou que as corporações gerindo a água têm como prioridade minimizar investimentos e maximizar lucros. Em ambas situações, segundo ele, há uma ampliação de desigualdades, como a recusa de fornecer o bem para áreas rurais, pois não há viabilidade econômica, e nas periferias das cidades, sob pretexto de que levaria água a ocupações informais.
"São modelos que podem violar os direitos humanos, geram exclusão e ampliação de desigualdades", afirmou. Ele acrescentou, ainda, que “tratar a água como mercadoria é também desconhecer os direitos das mulheres e das populações indígenas”.
Sobre a privatização da água, o professor Espinoza apontou as consequências das privatizações no setor. ”Se entendemos o setor privado como aquele que vai trazer soluções estamos em dificuldades, porque isso não tem acontecido em lugar nenhum do mundo, até porque os grandes problemas do aceso à água são geralmente em regiões onde as grandes empresas não tem interesse”, explicou.
Para Espinoza é "muito importante que o FAMA traga a ideia de que a água é um espaço político, de interesse de todos, e não um espaço técnico neutro”. Ele explicou que o discurso hegemônico não é sinônimo de um discurso neutro, mas sim, "um intento de colocar os outros saberes num lugar marginal e colocar os interesses deles no lugar do neutro. Por isso é necessário politizar a água e trazer os distintos atores para esse debate”.
Mesa internacional
Renato di Nicola (Itália), do European Water Movement e do Foro Italiano Movimento Acqua; Carmen Sosa (Uruguai), da FFOSE - Federación de Funcionarios de OSE (Obras Sanitárias del Estado); Mohamed Mcetawea (Palestina), da UAWC - Union of Agricultural Work Committees; e Meera Karanananthan (Canadá), do Council of Canadians e do Blue Planet Protect, compuseram a mesa de representantes internacionais ao evento.
Todos reforçaram a adesão ao lema do FAMA 2018, 'água é direito e não mercadoria', e a importância de unir esforços para que essa luta chega a todos os povos, especialmente àqueles que mais sofrem com exclusão e que têm seus direitos desrespeitados pela crescente mercantilização da água por grandes corporações.
Di Nicola reforçou que o FAMA 2018 será uma etapa importante de troca de experiências e de busca de soluções e ressaltou a importância deste tipo de fóruns alternativos. “Se nós não tivéssemos nos organizado contra os 'fóruns oficiais', em geral a população nem saberia o que estava acontecendo, nem que um grupo de multinacionais, a cada três anos, convoca professores universitários e o poder público para falar sobre água. Lá discutem, decidem e aconselham os governos de como privatizar a água. Nossa grande luta é contra a mentira e o falso neutralismo de quem detém o poder. Nossa tarefa é lutar pela preservação da natureza, sem ela não somos nada”, defendeu o italiano.
Carmen Sosa falou da experiência do Uruguai que, diante da necessidade de defender a água, amplos setores da sociedade se organizaram, formando a Comissão Nacional em Defesa da Água e da Vida, que culminou com plebiscito e mudança na Constituição do país, em 2004, que estabeleceu: "água é um recurso essencial para a vida. O acesso à água potável e o acesso ao saneamento constituem direitos humanos fundamentais".
O representante da Palestina enfatizou a luta de seu povo para ter direito à água e denunciou o ataque que sofrem do governo de Israel, que "até para usar a água de chuva, os palestinos têm que pedir autorização ao governo israelense".
Meera Karanananthan falou sobre as diversas resistências de organizações e povos, encontradas hoje no mundo aos ataques contra a democracia e aos direitos humanos, entre eles o da água. Ela enfatizou que o FAMA é uma dessas formas de resistência e, ainda, se colocou solidária à população brasileira que vem sofrendo violações aos seus direitos após "o golpe que levou um presidente não eleito ao poder".
Entidades e movimentos sociais exaltam importância do FAMA
Impossibilitados pelo tempo para que todos as entidades e movimentos sociais, pastorais e articulações presentes ao lançamento internacional pudessem expressar sua adesão ao FAMA, foram escolhidos alguns representantes.
O primeiro a falar, foi Oscar Rodríguez León (ISP - Internacional de Serviços Públicos). Ele disse que a América Latina está sendo ameaçada pela convocatória do "Fórum das Corporações", Banco Mundial e ONU, que, em nome do cumprimento das metas do milênio, favorecem e privilegiam o setor privado, para que empresas "possam fazer bons negócios". Ele fez uma defesa do serviço público de água para que todos possam ter acesso, sem distinção.
A boliviana, Julieta Paredes Carvajal, da Assembleia Feminista da Bolívia, ressaltou a importância sobre quem vai administrar a água e que é imprescindível debater questões como a relação que "teremos com nossa terra que é nossa mãe".
Representando a CMP - Central dos Movimentos Populares - Eduardo Cardoso disse que a principal luta hoje é pela manutenção e ampliação dos direitos conquistados ao longo de anos de luta. "Somos contra qualquer tipo de privatização porque gera precariedades e atinge principalmente o povo que está nas periferias e o pequeno produtor, além de impactar na qualidade de serviço, das tarifas, irá tirar a autonomia dos povos sobre os rios e águas", alega. Ainda segundo ele, "a privatização da Eletrobras, além de impactar na qualidade do serviço e nos preços da tarifa, irá tirar a autonomia dos povos sobre os rios e sobre as águas. A água é um direito de todos os povos e da mãe natureza e, por isso, estaremos em luta contra qualquer ataque".
Maiana Maia, da FASE - Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional, enfatizou que o chamamento do FAMA "tem tocado no coração de muita gente" e que as entidades têm participado das discussões da construção. Ela fez menção a necessidade premente da discussão sobre a água em várias frentes, uma vez que 'água é alimento, água é território" e exemplificou o fato de mais de 50% dos rios do mundo já terem sido barrados, prejudicando fundamentalmente camponeses, e que 72% da "nossa água está indo para o agronegócio e sendo contaminada por agrotóxicos".
Representando as comunidades eclesiásticas de base, organizadas no Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil - Conic, Luiz Cláudio Mandela, disse que "numa perspectiva teológica, a água é vida. E como tal, é sagrada. Não pode ser contaminada, nem mercantilizada. Ela não pode ser colocada acima de qualquer outro bem ou direito". E acrescentou que "a luta é grande, já que o debate de fundo é que as corporações querem dar uma cartada central, em um momento de virada no sistema capitalista, que está em crise. O direito à água pode decidir o futuro da humanidade. Se está na mão das grandes empresas, dos oligopólios, das nações do norte, esse direito negado à água vai colocar em risco a vida das populações".
A Payayá da aldeia da Chapada Diamantina, Letícia, afirmou que "os indígenas hoje estão sendo envenenados pelo acesso à água, pelo acesso ao ar, estão sendo privados pelo direito à terra e sem terra não tem preservação da natureza, não tem água, e sem água não tem vida".
Representando as mulheres do FAMA, Raquel Moreno, da Rede Mulher e Mídia e militante da Marcha Mundial das Mulheres, fez a leitura da Carta das Mulheres do FAMA: "Dentro deste modelo de sociedade capitalista, racista e patriarcal, somos nós, mulheres, as mais atingidas e impactadas pela falta de acesso à água e ao esgotamento sanitário. Direitos que são negados pela lógica da mercantilização e pela omissão dos poderes públicos". No documento, as mulheres do FAMA chamam a estimular de forma coletiva o protagonismo feminino, criando as condições para sua efetiva participação em todos os espaços de decisão política e do processo de organização e de luta, também em mais este front de luta pelo direito à água.
Encerrando as intervenções, Daniel Gaio, secretário nacional de Meio Ambiente da CUT, afirmou que "o FAMA já entrou para o calendário de lutas de curto à médio prazo e é uma agenda importante para o movimento sindical pelo direito à água, energia e saneamento básico". O dirigente alertou que no dia 3 de outubro, no Rio de Janeiro, será o Dia de Luta pela Soberania Nacional, quando o povo irá às ruas em defesa da Petrobrás, da Eletrobras, da água e pela democracia.
O ato de lançamento oficial terminou com a leitura do "Cordel do FAMA" por Luiz Gonzaga da Silva, o Gegê, do Movimento de Moradia do Centro (São Paulo - SP) e com a interpretação de uma canção por Alba.
Bordando a resistência
No marco do lançamento do FAMA, foi inaugurada no hall da FESPSP uma nova exposição de arpilleras, que conta com bordados que abordam principalmente temas como violação de direitos humanos, violência contra a mulher e falta de acesso a necessidades básicas depois da chegada de grandes barragens.
"Arpillera" é uma técnica de bordado que ficou mundialmente conhecida durante a ditadura militar chilena (1973-1990). A partir de 2013, o MAB resgatou a técnica em oficinas com mulheres impactadas por barragens, tendo realizado desde então mais de 200 oficinas em diversas regiões do Brasil. A experiência foi recolhida em um filme (Arpilleras: atingidas por barragens bordando a resistência) que está sendo lançado em diversos estados brasileiros desde este mês de setembro.
O lançamento teve transmissão ao vivo pelo Facebook, com mais de 23 mil visualizações e centenas de compartilhamentos.
Assista aqui ao vídeo completo do Lançamento Internacional do FAMA.
Entidades internacionais presentes ao lançamento:
. Food and Water Whatch
. Red Vida
. Council of Canadians
. Blue Planet Protect
. Modatina
. ISP
. Contaguas
. Reciprocidade Criativa
. International Rivers
. TNI
. European Water Movement
. Foro Italiano Movimento Acqua
. UAWC - Union of Agricultural Work Committees
. FENTAP
. FFOSE - Federación de Funcionarios de OSE - Obras Sanitárias del Estado
. SIFUESSAP
. Movimiento Evita
. Amigos de la Tierra
. Assembleia Feminista da Bolívia
. Rede MOCICC
. Movimiento Europeo Del Agua
. La Via Campesina
Fonte: FAMA