Durante a crise econômica, muitos municípios em Portugal privatizaram o abastecimento de água. Mas diante dos altos custos, agora a maioria deseja que o serviço volte ao controle público. A cidade de Mafra foi bem-sucedida nesse objetivo.
“Nossos preços da água estavam entre os mais altos do país”, explica Hélder Sousa Silva, presidente da Câmara Municipal de Mafra. “Isso não podia continuar assim, tivemos que fazer alguma coisa!” Sua solução drástica para o problema: depois de quase 25 anos, ele remunicipalizou o abastecimento d’água para a população de sua cidade de 80 mil habitantes na Área Metropolitana de Lisboa.
Desde setembro de 2019, a água das torneiras de Mafra vem novamente da administração municipal, e ficou cerca de um terço mais barata. “Descobrimos que certos serviços estão simplesmente em melhores mãos com o Estado do que com particulares”, garante Sousa Silva, que é membro do Partido Social Democrata (PSD).
Durante os anos de crise, quando a política econômica de Portugal foi determinada em grande parte pela troca formada pela Comissão Europeia, Banco Central Europeu (BCE) e Fundo Monetário Internacional (FMI), foi justamente o partido de Sousa Silva a trabalhar intensamente em prol da privatização da água.
Em 2014, apesar de grande oposição pública, 27 municípios privatizaram seu abastecimento. Muitos teriam seguido esse exemplo, se o governo do Partido Socialista, eleito em 2015, não tivesse bloqueado outras privatizações. Até então, sobretudo grandes empresas estrangeiras esperavam ganhar muito dinheiro com o negócio da água em Portugal.
Mafra foi o primeiro município a responder ao modelo econômico impulsionado fortemente também pela União Europeia: como a comunidade não tinha dinheiro para modernizar e expandir o sistema de abastecimento de água defeituoso e insuficiente, o então presidente da Câmara engajou uma empresa privada francesa, que recebeu um contrato de concessão de longo prazo.
Segundo Sousa Silva, a empresa não apenas possuía o capital necessário, mas também dispunha de importante know-how. O município aumentou de tamanho, o abastecimento d’água também. Pelo menos no início, tudo correu bem.
“A maioria dos municípios que privatizaram o abastecimento d’água o fez durante a crise, porque não tinha dinheiro para realizar os investimentos necessários”, confirma Francisco Ferreira, da organização ambiental Zero, ressalvando que o caso de Mafra é agora uma boa ocasião para repensar e, se necessário, mudar esse modelo.
Ferreira explica que o fornecimento de água é um direito civil fundamental, que deve, em princípio, ser disponibilizado pelo Estado e pelos municípios – mas a preços que estimulem o uso responsável da água: “Com preços transparentes, ele também pode ser assumido de forma pontual por empresas privadas, mas não como regra, e sim como exceção.”
Modelo para outros municípios?
No entanto, ao fecharem contratos de privatização com os municípios, as empresas privadas calcularam taxas de crescimento bastante irreais de consumo de água. Já cinco anos atrás, o Tribunal de Contas de Portugal alertara que os contratos protegiam principalmente empresas privadas, e que os municípios teriam que arcar sozinhos com todos os riscos.
O resultado se refletiu em Mafra: “Como o consumo de água nos últimos anos esteve bem abaixo da quantidade acordada, a parte contratante nos obrigaria a pagar milhões em indenização”, constata Sousa Silva. Então foi mais barato rescindir o contrato e retomar o abastecimento de água.
Faltando pouco menos de seis anos para o fim da concessão, sua rescisão custou ao município de Mafra 21 milhões de euros e muitos problemas, pois a operadora também mudou de mãos várias vezes desde que o contrato foi assinado.
Atualmente, ela pertence a um grupo chinês que, segundo o presidente da Câmara Municipal, estaria interessado apenas nos maiores lucros possíveis. “Fizemos um bom acordo, considerando que teríamos que pagar multas muito mais altas pelo menor consumo de água, até o fim do contrato”, avalia feliz o vereador Sousa Silva.
Esse exemplo deverá ser seguido por muitos políticos distritais, já que a maioria dos demais municípios também está insatisfeita com a privatização do abastecimento d’água. Eles tentaram entrar novamente como sócios das empresas de abastecimento ou tentaram remunicipalizá-las – com pouco sucesso até agora.
Depois que Mafra conseguiu rescindir o contrato em condições favoráveis, outras cidades do país provavelmente seguirão o exemplo. Desde que o líquido das torneiras do município português se tornou novamente “público”, o projeto de privatização da água em Portugal parece finalmente estar fadado ao fracasso.
Fonte: FNU
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