Enquanto o Brasil insiste em incentivar a privatização do saneamento básico, mais um exemplo francês demonstra a tendência mundial de remunicipalização dos serviços do setor. Seguindo o exemplo de outras cidades francesas como Paris, Nice e Grenoble, a metrópole de Lyon, com 59 comunas e 1,4 milhões de habitantes, retomará a partir de 1° de janeiro de 2023 a gestão direta dos serviços de produção e distribuição de água potável. Nesta data se encerra o contrato de delegação de serviço público à Veolia, por meio de sua filial Eau du Grand Lyon, que se iniciou em 2015.
A delegação envolve um faturamento anual de 88 milhões de euros. A decisão tem um simbolismo especial porque a Veolia tem sua origem na Compagnie Générale des Eaux (CGE), criada por decreto imperial em 1853 para abastecer Lyon. A subsidiária da Veolia dedicada à água em Lyon gera uma rentabilidade líquida de 5 a 6% ao ano.
Com a decisão, o poder público que já opera os serviços de esgotamento sanitário, passa a gerir ambos os sistemas, assumindo o controle sobre o ciclo integral da água. A decisão anunciada no dia 21 passado, cumpre promessa de campanha do ecologista Bruno Bernard, novo presidente do Conselho da Metrópole, que afirma que a gestão pública permite suprimir “qualquer interesse econômico na gestão das águas”.
Entre as razões anunciadas para justificar a decisão estão:
– intensificar as ações de proteção dos mananciais superficiais e subterrâneos que abastecem a região; inclusive pela redução do uso de agrotóxicos na agricultura;
– aumentar a participação de cidadãs e cidadãos nas decisões;
– viabilizar tarifa social que assegure acessibilidade aos consumidores em situação precária; com primeiros metros cúbicos de água gratuita para as famílias mais desfavorecidas, sem aumento de preço”, mas limitando o consumo excessivo;
– melhor enfrentar os desafios colocados pelas mudanças climáticas, em particular de redução da oferta de água superficial.
Segundo Bernard, os 280 empregados da Veolia vão ter assegurada a opção de continuar trabalhando no serviço sem redução de seus salários.
A opção da metrópole de Lyon se junta a de outra região metropolitana da França, a de Nice, com 49 comunas, que tem seus serviços prestados por uma autarquia intermunicipal, a Régie Eau d’Azur. Diferentemente do Brasil atual, em que a política neoliberal impõe a privatização, as regiões metropolitanas francesas apontam para a prestação pública.
Remunicipalização do saneamento é tendência mundial
De acordo com levantamento do Transnational Institute (TNI), centro de estudos em democracia e sustentabilidade sediado na Holanda, quase 900 reestatizações nas áreas de saneamento básico, transporte e energia foram feitas em países desenvolvidos como Estados Unidos, França e Alemanha.
Segundo o estudo, a reestatização ocorreu porque as empresas privadas priorizavam o lucro, além dos serviços estarem caros e ruins. O relatório identifica processos do gênero em 55 países em todo o mundo. Alemanha, França, EUA, Canadá, Colômbia, Argentina, Turquia, Mauritânia, Uzbequistão e Índia são alguns deles.
Conforme esclarece a coordenadora de projetos do TNI, Lavinia Steinfort, a priorização de lucros das empresas privadas é, na maior parte das vezes, conflitante com a execução de serviços de que a sociedade depende. “As empresas privadas prometem benefícios como preços mais baixos, mais investimentos e melhor qualidade, mas, no que diz respeito a abastecimento e infraestrutura, a gestão pública, aliada a um controle democrático, ainda é mais efetiva em prover isso no longo prazo”, destaca.
A especialista lembra que quando um serviço público é vendido ou concedido para o setor privado, a empresa prioriza o lucro. “O resultado são aumentos expressivos, que tornam os serviços inacessíveis para as famílias mais pobres, além da falta de investimentos em infraestrutura, deterioração das condições de trabalho e custos mais altos para as autoridades locais, que, muitas vezes, têm que complementar os gastos quando a companhia privada falha na entrega”, argumenta.
Fonte: ONDAS
Imagem: internet