A Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI-6583), ajuizada pela Assemae no mês de outubro, é destaque em mais um portal de notícias com grande repercussão nacional. Dessa vez, o assunto foi repercutido pelo portal Consultor Jurídico, considerado o mais influente site sobre a Justiça e o Direito em língua portuguesa.
A matéria publicada nesta sexta-feira, 13 de novembro, ressalta os argumentos da Assemae sustentados na ADI 6583, como o abuso de poder da União para impor a sua vontade aos municípios, o que restringe a autonomia e titularidade municipal no setor de saneamento básico. Confira!
ADI 6583 busca manter titularidade municipal no saneamento
A Associação Nacional dos Serviços Municipais de Saneamento (Assemae) ajuizou no dia 15 de outubro, no Supremo Tribunal Federal, ação direta de inconstitucionalidade (ADI) contra dispositivos da Lei nº 14.026, de 15 de julho, que "atualiza o Marco Legal do Saneamento". Tal ação atende à finalidade institucional da entidade prevista em seu estatuto, que é, principalmente, 'lutar pela manutenção da titularidade municipal e pela gestão pública dos serviços de saneamento, defendendo o seu caráter essencial".
O presidente da Assemae, Aparecido Hojaij, lembra que a ação jurídica marca os 36 anos da entidade, completados em outubro. "A associação tem solidez e representatividade indiscutíveis conquistadas durante todos esses anos. Nós temos a obrigação de acionar a instância superior do Judiciário brasileiro para que os prestadores municipais de saneamento possam continuar trabalhando pela qualidade de vida da população, por meio do saneamento. É nosso dever resguardar o direito fundamental ao saneamento", afirma.
Segundo Hojaij, a Lei 14.026/20 representa a completa imposição da União sobre a autonomia dos municípios, além de transformar o saneamento básico em um balcão de negócios, excluindo a população pobre e marginalizada. "É o momento de unir forças para derrubar essa lei autoritária. A Assemae, que sempre esteve à frente nesta luta, não se afastará de seus princípios para defender o saneamento público municipal", acrescenta.
O secretário-executivo da Assemae e advogado, Francisco dos Santos Lopes, lembra que a ADI está focada na preservação da titularidade municipal, conforme prevista na Constituição. "Todos queremos saneamento. Mas as mudanças não podem ser feitas contrariando e ferindo a Carta Magna brasileira", reitera. Conforme recorda o secretário, as reivindicações da Assemae não foram atendidas durante o processo de revisão do Marco Legal do Saneamento, embora a entidade tenha contribuído em diversas audiências públicas, reuniões e também na elaboração de projetos de lei.
A ADI é resultado da parceria do trabalho desenvolvido pela Assemae juntamente com o escritório jurídico Gico, Hadmann & Dutra Advogados, sediado em Brasília. Conforme esclarece o advogado responsável pela petição, Ivo Teixeira Gico Jr., a ADI da Assemae tem como objetivo solicitar a declaração de inconstitucionalidade dos artigos 2º, 3º, 5º, 7º, 9º, 11, 13 e 15, entre outros, por arrastamento, da Lei 14.026/2020.
De acordo com o advogado, o pedido da Assemae se justifica porque a nova legislação desrespeita diretamente a Constituição Federal brasileira, com destaque para a extrapolação de competência da União, esvaziamento de competência municipal, abuso de poder econômico, intervenção federal sobre a autonomia municipal e violação ao pacto federativo.
Segundo Ivo Gico Jr., um dos principais problemas da Lei 14.026/20 é a imposição de uma única forma para delegar o serviço de saneamento. "Agora, só pode delegar serviço de saneamento básico por concessão, o que obviamente extrapola a competência da União, proibindo a gestão compartilhada dos serviços de saneamento por consórcio ou convênio, mediante autorização, o que na prática significa que a lei rasgou o artigo 241 da Constituição Federal. A lei, de forma equivocada, impôs um modelo único de privatização: ou o município presta sozinho o serviço ou, se ele decidir cooperar com qualquer município, vai ter que conceder o serviço. Essa imposição é claramente inconstitucional e, por isso, estamos confiantes com o êxito da ação".
Com 92 páginas, a ação da Assemae está organizada em três eixos de argumentos. O primeiro é a apresentação institucional da entidade, na qual se destaca a sua legitimidade para oferecer a propositura de ADIs. Em seguida, o documento expõe o arcabouço argumentativo que comprova as inconstitucionalidades da Lei 14.026/20, com destaque para a imposição da União sobre o poder de decisão do município. Por fim, a ação alerta que as alterações decorrentes da nova lei interferem os contratos de prestação de serviços de saneamento já em andamento, violando o que é conhecido no Direito como ato jurídico perfeito.
Principais pontos da ADI 6583
Para fundamentar a declaração de inconstitucionalidade da Lei 14.026/20, a ADI 6583 está baseada em artigos da Constituição Federal brasileira e na jurisprudência do STF sobre assuntos relacionados ao tema do saneamento. Sendo assim, a petição demonstra que:
1) A competência para regular, organizar e prestar serviço de interesse local é do município (artigo 23, IX c/c artigo 30, incisos I e V/CF);
2) O saneamento básico é serviço de interesse local (ADI nº 2.340/SC);
3) A "essência da autonomia municipal contém primordialmente auto-administração, que implica capacidade de decisória quanto aos interesses locais, sem delegação ou aprovação hierárquica" (ADI nº 1.842/RJ);
4) A autonomia municipal para serviços de interesse local não pode ser afastada ou eliminada, seja quando se criam regiões metropolitanas — hipótese na qual a autonomia municipal deve ser exercida pelo voto no conselho deliberativo — , seja quando são utilizados recursos dos demais entes para a construção e manutenção dos referidos serviços (ADI nº 1.842/RJ c/c ADI nº 2.077/BA);
5) A essência do conteúdo material da competência regulatória municipal envolve quatro variáveis básicas: a) entrada no mercado; b) qualidade; c) preço. e d) informação (artigo 23, IX c/c artigo 30, incisos I e V/CF);
6) Os Estados só podem "instituir regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões" quando o interesse local se transformar em interesse comum dos "agrupamentos de municípios limítrofes" (§3º, artigo 25/CF);
7) O §3º do artigo 25/CF não constitui uma autorização para o Estado encampar o serviço municipal, mas apenas para criar um mecanismo de coordenação para que os entes envolvidos possam coordenar suas ações, sem jamais subjugar o município (ADI nº 1.842/RJ, ADI nº 2.340/SC e ADI nº 2.077/BA);
8) O Estado não possui competência constitucional para criar áreas de prestação regionalizada de saneamento básico quando os municípios envolvidos já estabeleceram gestão associada;
9) O Estado não possui competência constitucional para criar áreas de prestação regionalizada de saneamento básico na ausência de interesse comum e a União não possui esta competência mesmo na presença do interesse comum;
10) O artigo 175/CF permite ao município delegar qualquer serviço público, mesmo essencial, por meio de concessão ou permissão;
11) O artigo 241/CF permite ao município realizar a gestão associada de qualquer serviço público por meio de consórcio público ou convênio de cooperação com outros entes federados;
12) A concessão ou a permissão, com exclusividade, requerem a realização de licitação (artigo 175/CF), enquanto a gestão compartilhada por consórcio ou convênio de cooperação requer apenas autorização (artigo 241); no entanto,
13) A Lei nº 14.026/20 impõe unilateralmente aos municípios a decisão da União, por meio da Agência Nacional de Água (ANA), sobre todas as variáveis regulatórias relevantes na prestação do serviço de saneamento básico, esvaziando por completo a competência municipal (artigo 23, IX, c/c artigo 30, incisos I e V/CF);
14) A Lei nº 14.026/20 impõe que a única forma de delegar o serviço de saneamento básico seja por meio de concessão (artigo 175/CF), extrapolando a competência da União ao proibir a gestão compartilhada do serviço de saneamento por consórcio ou convênio, mediante autorização, esvaziando o artigo 241/CF; e
15) A Lei nº 14.026/20 viola direitos fundamentais ao prejudicar contratos em vigor e, portanto, atos jurídicos perfeitos.
Fonte: Portal Consultor Jurídico