Por Édison Carlos*
Há muito se sabe que a água doce é um recurso natural escasso na natureza. Apesar desse conhecimento há muito acumulado entre os especialistas, é comum vermos nas escolas que o tema Água continua sendo tratado como se fazia há 50 anos, ou seja, que ¾ do planeta é formado por água, que o planeta deveria chamar “planeta Água” ao invés de Terra, e assim vai. Exceção às crianças que nascem e vivem em locais de pouca água, é comum acreditarmos desde a infância que nosso mundo tem muita água... e com isso talvez embutimos em nosso cérebro que a água sempre estará lá, ao nosso dispor.
Na verdade, em grandes números, somente 3% da água do planeta não é salgada. O problema é que mais de 80% desse volume de água doce é constituído de água congelada nos polos Norte e Sul. Resta, então, que de toda a água do planeta, apenas 0,5% é água doce em seu estado líquido. Descontando as águas profundas, não acessíveis, etc., etc., teríamos que se toda a água do planeta coubesse em uma garrada PET, teríamos algumas gotas de água doce disponível ao ser humano.
E a mesma (pouca) água doce é disputada por todas as atividades humanas. Dados internacionais mostram que a grande utilização está na agricultura, seguida dos usos industriais e em menor proporção a água para abastecimento humano. Se pensarmos por outro ponto de vista, significa que ao poluirmos as águas estamos prejudicando todas as atividades humanas. A poluição das águas, seja por efluentes industriais não controlados, lixo ou esgotos, deveria então ser considerado um crime à humanidade, pois com a evaporação, os ventos, os rios e os oceanos, ninguém pode prever com certeza onde essa poluição pode chegar ou que impactos poderá causar.
A água do planeta está em risco, e não é de hoje. O avanço descontrolado do homem sobre a natureza produziu, e ainda produz, impactos enormes sobre os recursos hídricos e isso pode ser visto na morte de importantes rios, em praias constantemente poluídas, nas lavouras sendo irrigadas com água contaminada, na redução da quantidade de peixes, no custo cada vez mais elevado para tratar a água que abastece nossas casas.
No Brasil, um dos casos mais dramáticos da irresponsabilidade com nossas águas foi o baixíssimo interesse de nossas autoridades pelo saneamento básico nas últimas décadas. Podemos dizer, com certeza, que o descaso foi tanto que nós, brasileiros, com raras exceções, aprendemos a conviver com esgotos a céu aberto correndo nas calçadas e praias, a cheirar rios fedorentos, a navegar em mares de lixo... Passamos décadas sem cobrar nenhuma providência de nossos prefeitos, vereadores, deputados, senadores, governadores, presidentes da República... com tanta carência de serviços públicos, nos limitamos a pedir postos de saúde, hospitais, asfalto, segurança pública. A questão ambiental sequer tangenciou as prioridades do brasileiro em várias eleições.
No que se refere ao saneamento básico, criamos um círculo vicioso e perigoso – cidadão não cobra, autoridade não faz. E com a degradação das águas as doenças se proliferaram, crianças se afastaram das aulas, leitos hospitalares foram ocupados por doenças da água poluída, turistas mudaram de destinos. Segundo estudo recente do Instituto Trata Brasil, em 2011 foram quase 400 mil internações por diarreia em todo o país.
Pelos dados oficiais do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS), em 2011 cerca de 36 milhões de brasileiros sequer tinham acesso à água tratada, 52% da população não tinha acesso à coleta de esgotos e somente 37,5% dos esgotos do país eram tratados.
Ainda segundo esses dados, que são fornecidos ao Ministério das Cidades pelas próprias empresas de água e esgotos, em 2011, 38% da água tratada do país era perdida nas redes de distribuição das cidade; fruto, novamente, do descaso com a nossa (pouca e cara) água. São vazamentos, roubos e ligações clandestinas, falta de medição e vários outros problemas que nos fazem perder uma água cara... que foi retirada da natureza, transportada, tratada e depois perdida. Ainda segundo estudos divulgados em 2013 pelo Instituto Trata Brasil, se conseguíssemos reduzir as perdas de água em apenas 10%, portanto de 38% para 34%, haveria um ganho financeiro da ordem de R$ 1,3 bilhões, ou seja, um recurso enorme quando vemos que o Brasil tem conseguido investir em torno de R$ 8 bilhões por ano em saneamento básico. Isso poderia ser usado para continuar reduzindo as perdas ou mesmo para avançar nas redes de coleta e tratamento de esgotos.
Podemos dizer, portanto, que nossa irresponsabilidade com a água é histórica. Vem de uma educação errada nas escolas, passando pela ineficiência de várias formas de irrigação, no baixo aproveitamento das águas de reuso, do não aproveitamento das águas de chuva, da falta de prioridade para corrigir perdas e finalmente nos desperdícios do cidadão.
A solução depende de todos. Crises como a vivida atualmente no Sistema Cantareira, em São Paulo, tendem a ocorrer com mais frequência, então temos que discutir com seriedade os próximos passos e com todos os setores envolvidos. Com a maior disposição do governo federal em garantir recursos para o saneamento básico, por exemplo, é fundamental cobrarmos maior envolvimento dos prefeitos e dos governadores, mas também cobrar mais agilidade e desburocratização dos órgãos em Brasília.
As eleições se aproximam, então, o momento é mais do que oportuno. Cabe a nós, cidadãos, fazermos desse limão uma limonada.
*Édison Carlos é presidente executivo do Instituto Trata Brasil