Em reunião nos dias 27 e 28 de novembro, na cidade de Brasília, o Conselho Diretor Nacional da Assemae aprovou a publicação de Carta aos Prefeitos e Prefeitas do Brasil, ressaltando sobre as possíveis consequências do Projeto de Lei 3.261/2019, que pretende alterar o marco legal do saneamento básico. No texto, a entidade se dirige aos gestores municipais para alertar que o texto em tramitação no Congresso Nacional interfere na autonomia e titularidade dos mais de cinco mil Municípios brasileiros. Leia a Carta abaixo:
Carta da Assemae aos Prefeitos e Prefeitas do Brasil
A Associação Nacional dos Serviços Municipais de Saneamento (Assemae), entidade que reúne cerca de dois mil municípios com serviços autônomos de saneamento básico, sente-se no dever de alertar os Prefeitos e Prefeitas do Brasil sobre as possíveis consequências para a soberania do municipalismo, caso o Projeto de Lei 3.261/2019 – que pretende alterar o marco legal do saneamento básico - seja aprovado conforme o atual texto em tramitação no Congresso Nacional.
O Substitutivo apresentado pelo deputado relator Geninho Zuliani (DEM-SP), cujo texto encontra-se na iminência de ser votado pelo plenário da Câmara dos Deputados, possui dispositivos que entendemos serem inconstitucionais, pois interferem na titularidade e autonomia dos mais de cinco mil Municípios brasileiros.
Com relação à titularidade, a proposta adota um conceito diferente ao que está estabelecido pela Constituição Federal. A tentativa de fazer prevalecer o interesse comum sobre o local é uma afronta irreparável para a autonomia dos Municípios, tanto àqueles operados diretamente por serviços municipais, quanto àqueles que possuem contrato com companhias estaduais, comprometendo a cooperação técnica entre os serviços públicos e a operação de consórcios intermunicipais.
Consideramos que o Substitutivo aprovado pela Comissão Especial de Deputados traz ampla insegurança jurídica para o setor de saneamento básico, ao criar unidades de referência, microrregiões e aglomerados urbanos. Trata-se de proposta claramente inconstitucional, dado que é competência do Prefeito, com o respaldo da Câmara Municipal, decidir qual o melhor modelo de gestão do saneamento para a realidade de seu Município.
Neste atual debate, outro ponto que merece a atenção dos Prefeitos e Prefeitas é que a privatização dos serviços de saneamento básico poderá diminuir o orçamento do Município e também os investimentos realizados em âmbito local, uma vez que as autarquias municipais de saneamento são superavitárias, têm independência financeira e contribuem para a circulação da economia local. Além disso, a arrecadação dos serviços autônomos de saneamento, incorporada ao orçamento geral do Município, colabora para a ampliação da margem de contratação local, mantendo-se compatível com as exigências da Lei de Responsabilidade Fiscal. Sem a arrecadação do serviço de saneamento, o Município terá dificuldades de manter suas despesas com pessoal abaixo dos 54%, conforme determina a legislação brasileira.
Caso aprovada sem os devidos ajustes, a proposta em tramitação será responsável pela ampliação da desigualdade social no Brasil, aumentando o número de cidadãos sem acesso aos serviços de saneamento básico. Isso porque o déficit do saneamento básico no Brasil está exatamente nos pequenos Municípios, que representam mais de 80% da gestão municipal, como também na zona rural e em áreas irregulares, a exemplo de periferias e ocupações, lugares que não interessam ao setor privado. Por isso, defendemos que a universalização do saneamento requer o fortalecimento dos operadores públicos e não apenas dos privados, com foco na gestão de qualidade.
A revisão do marco legal do saneamento deve considerar o pleito de todos os modelos de gestão existentes no Brasil, criando condições para a eficiência dos serviços. Caso a iniciativa privada assuma a operação dos serviços, ressaltamos a importância de que a companhia se responsabilize pela gestão dos quatro elementos do saneamento básico (água, esgoto, resíduos sólidos e drenagem urbana). Nossa preocupação consiste no fato de que, normalmente, as companhias privadas se interessam apenas pela concessão dos sistemas de abastecimento de água e esgotamento sanitário, cujo retorno tarifário apresenta lucro. Na prática, os demais serviços do setor, que ensejam montantes mais elevados de custos operacionais e de recursos para investimentos, acabam ficando sob a responsabilidade dos Municípios.
Para finalizar, lembramos que, neste ano, o saneamento básico foi tema da mídia nacional em diversas publicações. Infelizmente, as notícias tentam desqualificar a eficiência dos serviços públicos, colocando a iniciativa privada como salvação para a universalização do setor. Entendemos que o debate sobre o novo marco regulatório do saneamento básico não deve ser pautado pela demonização do serviço público. Pelo contrário, a formatação de políticas públicas precisa absorver a necessidade de multiplicar as experiências exitosas e de criar condições para a eficiência de todos os modelos, possibilitando a universalização do saneamento básico no País.
As experiências de êxito de nossos associados comprovam que o saneamento municipal é capaz de atender a população com qualidade, investindo em tecnologia, planejamento, regulação e participação social. Por isso, não concordamos que a legislação prejudique os serviços municipais. Nosso compromisso é melhorar o ambiente normativo para a execução das políticas públicas de saneamento básico, considerando o protagonismo dos Municípios, afinal, é lá onde a vida acontece.
Sendo assim, convidamos os Prefeitos e Prefeitas do Brasil para mobilizar suas bases no Congresso Nacional, alertando sobre a necessidade de alterar os dispositivos que limitam a titularidade municipal.
Conselho Diretor Nacional da Assemae