A Associação Nacional dos Serviços Municipais de Saneamento – Assemae, ajuizou, no dia 15 de outubro de 2020, no Supremo Tribunal Federal – STF, Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) contra dispositivos da Lei nº 14026, de 15 de julho de 2020, que “atualiza o marco legal do saneamento”. Tal ação atende à finalidade institucional da entidade prevista em seu estatuto, que é, principalmente, “lutar pela manutenção da titularidade municipal e pela gestão pública dos serviços de saneamento, defendendo o seu caráter essencial”.
O presidente da Assemae, Aparecido Hojaij, lembra que a ação jurídica marca os 36 anos da entidade, completados neste mês. “A Associação tem solidez e representatividade indiscutíveis conquistadas durante todos esses anos. Nós temos a obrigação de acionar a instância superior do judiciário brasileiro para que os prestadores municipais de saneamento possam continuar trabalhando pela qualidade de vida da população, por meio do saneamento. É nosso dever resguardar o direito fundamental ao saneamento”, afirma.
Por sua vez, o secretário executivo da Assemae e advogado, Francisco dos Santos Lopes, lembra que a ADI está focada na preservação da titularidade municipal, conforme prevista na Constituição. “Todos queremos saneamento. Mas as mudanças não podem ser feitas contrariando e ferindo a Carta Magna brasileira”, reitera.
A ADI é resultado da parceria do trabalho desenvolvido pela Assemae juntamente com o escritório jurídico Gico, Hadmann & Dutra Advogados, sediado em Brasília.
Veja, abaixo, os principais pontos da ADI 6583:
1- Trata-se de Ação Direta de Inconstitucionalidade, com pedido de medida cautelar, que tem por objeto o pedido de declaração de inconstitucionalidade dos artigos 2º, 3º, 5º, 7º, 9º, 11, 13 e 15, dentre outros por arrastamento, da Lei 14.026/2020 por violação direta ao art. 21, inc. XX/CF (extrapolação de competência da União); ao art. 23, inc. IX c/c art. 30, inc. I e V c/c art. 241/CF (esvaziamento da competência municipal); por violação ao art. 5º, incs. XXXIV e LXIX c/c art. 173, § 4º (vedação ao abuso de poder econômico); por violação do art. 34, caput e inc. VII, “c”/CF (intervenção federal que elimina a autonomia municipal) e, portanto, por violação ao art. 1º c/c art. 18/CF (violação ao Pacto Federativo).
2- As seguintes teses serão demonstradas para fundamentar a declaração de inconstitucionalidade da Lei nº 14.026/20:
(i) A Assemae é (a) entidade de abrangência nacional, (b) representativa de uma classe e (c) há pertinência temática entre sua atividade e a legislação impugnada, logo, é legitimada para a propositura da presente ADI;
(ii) A competência para regular, organizar e prestar serviço de interesse local é do Município (art. 23, IX c/c art. 30, inc. I e V/CF);
(iii) O saneamento básico é serviço de interesse local (ADI nº 2.340/SC);
(iv) A “essência da autonomia municipal contém primordialmente (i) auto-administração, que implica capacidade de decisória quanto aos interesses locais, sem delegação ou aprovação hierárquica” (ADI nº 1.842/RJ);
(v) A autonomia municipal para serviços de interesse local não pode ser afastada ou eliminada, seja quando se criam regiões metropolitanas – hipótese na qual a autonomia municipal deve ser exercida pelo voto no Conselho Deliberativo – , seja quando são utilizados recursos dos demais entes para a construção e manutenção dos referidos serviços (ADI nº 1.842/RJ c/c ADI nº 2.077/BA);
(vi) A essência do conteúdo material da competência regulatória municipal envolve quatro variáveis básicas: (a) entrada no mercado; (b) qualidade; (c) preço e (d) informação (art. 23, IX c/c art. 30, inc. I e V/CF);
(vii) Os Estados só podem “instituir regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões” quando o interesse local se transformar em interesse comum dos “agrupamentos de municípios limítrofes” (§3º, art. 25/CF);
(viii) O §3º do art. 25/CF não constitui uma autorização para o Estado encampar o serviço municipal, mas apenas para criar um mecanismo de coordenação para que os entes envolvidos possam coordenar suas ações, sem jamais subjugar o Município (ADI nº 1.842/RJ, ADI nº 2.340/SC e ADI nº 2.077/BA);
(ix) O Estado não possui competência constitucional para criar áreas de prestação regionalizada de saneamento básico quando os Municípios envolvidos já estabeleceram gestão associada;
(x) O Estado não possui competência constitucional para criar áreas de prestação regionalizada de saneamento básico na ausência de interesse comum e, a União, não possui esta competência mesmo na presença do interesse comum;
(xi) O art. 175/CF permite ao Município delegar qualquer serviço público, mesmo essencial, por meio de concessão ou permissão;
(xii) O art. 241/CF permite ao Município realizar a gestão associada de qualquer serviço público por meio de consórcio público ou convênio de cooperação com outros entes federados;
(xiii) A concessão ou a permissão, com exclusividade, requerem a realização de licitação (art. 175/CF), enquanto a gestão compartilhada por consórcio ou convênio de cooperação requer apenas autorização (art. 241); no entanto,
(xiv) A Lei nº 14.026/20 impõe unilateralmente aos Municípios a decisão da União, por meio da Agência Nacional de Água – ANA, sobre todas as variáveis regulatórias relevantes na prestação do serviço de saneamento básico, esvaziando por completo a competência municipal (art. 23, IX c/c art. 30, inc. I e V/CF);
(xv) A Lei nº 14.026/20 impõe que a única forma de delegar o serviço de saneamento básico seja por meio de concessão (art. 175/CF), extrapolando a competência da União ao proibir a gestão compartilhada do serviço de saneamento por consórcio ou convênio, mediante autorização, esvaziando o art. 241/CF; e
(xvi) A Lei nº 14.026/20 viola direitos fundamentais ao prejudicar contratos em vigor e, portanto, atos jurídicos perfeitos.
Estas são as teses básicas e fundamentos que se passam a expor em detalhes na peça apresentada ao STF, e que, ao final, espera-se ser suficientes para que o STF declare a inconstitucionalidade da Lei nº 14.026/20.
A íntegra da peça está disponível abaixo.
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